Reveses Revistos
2020
fotografia
dimensões variáveis
Ato falho
2025
1'34"
A videoperformance “Ato Falho nº 01” surge como desdobramento crítico das investigações sobre corpo, ruína e materialidade urbana discutida nos trabalhos anteriores. Nela, parte do meu corpo — explicitamente presente — confronta-se com um fragmento de concreto, resíduo de demolições urbanas, em um duelo que expõe a precariedade inerente às relações entre organismo e estrutura. No quadro, meu antebraço e minha mão aparecem horizontalmente tentando sustentar um escombro disforme, coletado em uma das centenas de caçambas espalhadas pela região da Barra Funda. A cena, filmada em plano fechado e exibida em loop em um monitor de 32 polegadas (escala que replica as dimensões reais do membro retratado), opera como microcosmo das tensões discutidas ao longo deste capítulo: a fragilidade da carne diante da rigidez do construído, a repetição como síntese do fracasso, e a ruína como monumento involuntário.
Novamente, a escolha do concreto como antagonista não é aleatória. Material-símbolo do progresso moderno, ele carrega em sua composição a ambiguidade entre permanência e colapso — paradoxo que estrutura tanto a paisagem urbana quanto a experiência corpórea. Ao sustentar o escombro, meu corpo reencena, em escala íntima, a dinâmica descrita por Alois Riegl (2014) ao analisar monumentos históricos: o esforço hercúleo de preservar um legado que, por sua própria natureza, está fadado à desintegração. A cada ciclo, quando o peso supera a resistência muscular e o concreto se choca com o chão, a repetição do fracasso insinua-se como um gesto político de questionamento. Se em “Monumentum exitium” a iminência do desastre se cristalizava em uma estrutura estática, aqui ela se dinamiza no colapso do equilíbrio. A mão, metonímia do corpo inteiro, transforma-se em arquivo vivo de microtraumas: tremores e fadiga registram a passagem do tempo de modo mais eloquente que um cronômetro tradicional.
“Ato Falho nº 01” radicaliza, porém, a dimensão autobiográfica presente nos trabalhos anteriores. Ao expor minha própria vulnerabilidade física — a mão que treme e falha —, a obra desloca o debate sobre gentrificação para um registro existencial. Não se trata mais apenas de denunciar demolições ou especulação imobiliária, mas de questionar como essas forças se inscrevem na carne daqueles que habitam as cidades. A escolha de exibir a peça em escala 1:1 reforça essa intimidade: o espectador é confrontado não com uma metáfora distante, mas com a evidência crua de que seu próprio corpo, assim como o meu, é terreno de disputa entre projetos de poder e resistências cotidianas.
